12/01/2018 B3 Web Solutions
A "nuvem" é um lugar real. As fotos que você publica no Instagram, o feliz aniversário que escreve em um perfil do Facebook e os programas de TV a que assiste no Netflix não estão guardados em um conjunto de gotas no céu. Eles ficam armazenados em servidores que estão conectados e organizados em torres dentro de armazéns gigantes.
Poucas pessoas se aventuram nos centros de armazenamentos de dados. Na capital sueca de Estocolmo, a reportagem da BBC entrou nesses labirintos e descobriu que eles não estão apenas hospedando informação. Todo o calor que essas estruturas liberam está ajudando a aquecer casas na cidade, que tem mais de 900 mil habitantes.
Mas como essa estratégia funciona? Ela poderia criar um novo modelo de negócios para a indústria de tecnologia no mundo todo?
Ao caminhar dentro de um centro de dados, é possível perceber algumas coisas: o ar é frio e seco; todas as superfícies são muito limpas; as torres de servidores têm milhares de luzes que piscam sem parar e raramente há outras pessoas por ali. Em todos os lugares, no teto e debaixo das tábuas removíveis do chão, há cabos em todas as direções.
Mas, acima de tudo, o ambiente é muito barulhento. Isso acontece porque os computadores ficam quentes e são necessários muitos ventiladores para mantê-los refrigerados e operantes. Imagine o calor que seu laptop gera e multiplique isso pelas milhares de máquinas em um armazém: computadores conectados e ligados constantemente, fazendo tarefas complicadas, 24 horas por dia, sete dias por semana.
Para resfriar o ambiente, é preciso água fria e ventiladores, que fornecem ar fresco e sugam o ar quente. O calor geralmente é descartado como um resíduo do processo.
Mas calor é energia. E a Suécia decidiu aproveitá-lo.
Em Estocolmo, o projeto é chamado de Stockholm Data Parks (Parques de Dados de Estocolmo, em tradução livre) e funciona em parceria com o governo da cidade, a Fortum Värme (agência local de aquecimento e refrigeração) e outras instituições.
Vários importantes centros de dados de Estocolmo participam da iniciativa e o número está crescendo à medida que mais empresas buscam reforçar uma reputação ambientalmente consciente, além de ganhar dinheiro com um novo modelo de negócios. Recentemente, o programa anunciou parcerias com centros de dados administrados por grandes empresas internacionais como a Ericsson (companhia de celulares que também ajuda a transmitir canais de TV da BBC) e a cadeia de roupas H&M.
O esquema de manutenção da temperatura e transporte do calor é simples. A água fria entra nos centros de dados por meio de canos, e é usada para criar o ar frio que evita o superaquecimento dos servidores. Depois, a mesma água, que acabou sendo aquecida no processo, volta para os canos e segue para as dependências da agência Fortum, onde é distribuída para o aquecimento dos moradores.
A Suécia não é o único país a adotar essa ideia. O mesmo está acontecendo em projetos menores em nações como a Finlândia, onde o calor de centros de dados tem sido usado para aquecer residências de uma cidade pequena desde o ano passado. Também existem programas semelhantes nos EUA, Canadá e França.
Mas a decisão da Suécia de aplicar essa prática em todo o país é uma experiência sem precedentes.
O Stockholm Data Parks espera gerar calor suficiente para aquecer 2.500 apartamentos até 2018, mas o objetivo de longo prazo é atender a 10% da demanda de aquecimento da cidade até 2035.
De acordo com os Data Centers By Sweden - que está lançando projetos parecidos ao de Estocolmo em todo território -, apenas 10 MW (megawatt) de energia são necessários para aquecer 20 mil apartamentos modernos. Um típico centro de dados do Facebook, por exemplo, usa 120 MW.
Um dos principais incentivos para as empresas se juntarem ao programa é financeiro - elas vendem o calor residual. Além disso, a Fortum fornece água gelada para o resfriamento dos armazéns gratuitamente.
Na Interxion, uma empresa cujos centros de dados suportam aplicativos de jogos de celular e outros softwares baseados em nuvem, a análise de custo e benefício foi tão promissora que levou à construção de mais instalações para a captura de calor.
"Não é filantropia", diz Mats Nilsson Hahne, gerente de desenvolvimento de negócios da Interxion. Muito pelo contrário, diz Peder Bank, diretor administrativo do braço nórdico da empresa: "Estamos tentando transformar (a estratégia) em um negócio secundário".
Apesar de seus objetivos financeiros, a Interxion está publicamente compartilhando seus planos para o novo modelo comercial com qualquer centro de dados que deseje se estabelecer em Estocolmo. Questionado quanto ao motivo de oferecer essa vantagem competitiva, Bank reforça a típica atitude sueca ante as mudanças climáticas: "Há um propósito mais elevado nisso do que a concorrência. Um objetivo global", diz ele.
"Se eu puder defender a agenda (ambiental) e fazer meu negócio, devo fazer isso. Se eu for capaz de atrair negócios para a região, devo fazer isso e competir depois. Não vejo uma incompatibilidade. Todos vivemos no mesmo planeta."
O trabalho dos Stockholm Data Parks se concentra em quatro grandes "parques de dados". Eles estão ligados à rede de energia limpa e são equipados para que as empresas integrantes se conectem no sistema de reciclagem de calor. O primeiro, já concluído, fica no "vale do silício" de Estocolmo, um bairro chamado Kista, e atualmente possui companhias como a Interxion. Mais dois devem se juntar ao sistema em 2018 e um quarto em 2019.
"Estamos mudando a economia de toda a indústria", diz Johan Börje, gerente de marketing de refrigeração de centros de dados e recuperação do calor na Fortum Varme.
O governo sueco, reconhecendo o benefício da iniciativa, reduziu recentemente o imposto sobre eletricidade nos centros de dados. A Suécia não quer que os centros tenham uma desculpa para se mudar para outros pontos da Europa.
Por enquanto, o mundo desenvolvido depende desses centros - e a demanda continuará a crescer. Sem eles, smartphones e computadores não funcionariam e nenhuma informação seria transportada pela rede. Isso significa que mais e mais dessas bibliotecas tecnológicas serão construídas em todo o planeta. E a Suécia mostra que elas podem manter o mundo digital em movimento enquanto fornecem energia limpa.